Por Anderson Barbosa e Fernanda Zauli, do G1 RN
“Presos do Rio Grande do Norte podem ser soltos se o Governo do Estado não criar vagas”. A afirmação é do juiz Fábio Filgueira, auxiliar da presidência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte. Ao G1, o magistrado admitiu que, diante da falta de vagas e das constantes interdições de unidades prisionais, “caos em que se encontra o sistema prisional potiguar”, se medidas imediatas não forem tomadas por parte do Executivo, os juízes terão que optar pela soltura de presos. “É claro que essa possibilidade existe. Se o juiz não tem onde colocar o preso, não pode mandar amarrar em uma árvore”, enfatizou.
O secretário estadual da Justiça e da Cidadania (Sejuc), Júlio César de
Queiroz, foi procurado para comentar as declarações do magistrado, mas a
assessoria de imprensa do órgão disse que ele estava em reunião externa
e que não poderia falar sobre o assunto ao longo desta manhã.
Ainda de acordo com Filgueira, “a falta de um espaço adequado, que
diga-se de passagem o Executivo não está providenciando, pode, sim,
resultar na soltura de presos por não ter para onde levá-los, a exemplo
do que já vem acontecendo em relação aos Ceducs”, acrescentou o juiz ao
se referir à atitude do titular da 3ª Vara da Infância e da Juventude
de Natal, Homero Lechner, que no final de fevereiro pôs em liberdade
onze adolescentes que praticaram atos infracionais, alguns de natureza
grave.
Na ocasião, no entendimento de Homero, a soltura dos adolescentes foi
adotada porque Estado não está fornecendo condições estruturais para que
o Poder Judiciário possa determinar o que prevê o Estatuto da Criança e
do Adolescente (ECA). Segundo ele, mais de dez ofícios foram enviados
ao Ministério Público com informações sobre o quadro atual dos centros
educacionais – definido como "em decadência" – a fim de que a
Procuradoria Geral de Justiça cobre do Estado as devidas providências.
“Isso nos obriga a liberar esses adolescentes para as ruas novamente”,
lamentou.
MP
O promotor criminal Wendell Beetoven, reforça o que disse o juiz Fábio
Filgueira. Segundo ele, “a omissão do Governo do Estado pode resultar na
soltura de criminosos perigosos que, mesmo presos em flagrante por
crimes graves como roubo, assassinato ou tráfico de drogas, serão soltos
se os juízes não souberem para que estabelecimento prisional devem
mandá-los”.
O promotor complementa: “É o que já vem ocorrendo em relação a
adolescentes infratores, cujos juízes das Varas da Infância e da
Juventude, por absoluta falta de opção, estão se vendo obrigados a
liberá-los porque o Poder Executivo estadual não disponibiliza locais
adequados para a internação”.
Interdições
Nesta terça-feira (19), o juiz da 1ª Vara Criminal de Mossoró, Vagnos
Kelly Figueiredo de Medeiros, decretou as interdições da Cadeia Pública e
do Complexo Penal Agrícola Mário Negócio, ambos em Mossoró, na região
Oeste do estado. O magistrado acatou pedido do Ministério Público, que
alegou não haver condição mínima de funcionamento nas duas unidades.
Na ação, a 14ª Promotoria de Justiça de Mossoró apontou uma série de
irregularidades identificadas por laudos de órgãos técnicos produzidos
pelo Corpo de Bombeiros, Vigilância Sanitária Municipal e Conselho
Regional de Engenharia e Agronomia (Crea/RN).
Além disso, segundo determinação de Vagnos, o Governo do Estado deverá
providenciar a retirada dos presos para locais adequados no prazo de 90
dias. Durante a interdição está proibido o ingresso de novos detentos
em qualquer um desses estabelecimentos prisional.
No início da semana, também por decisão da Justiça, foi extinto o
Núcleo de Custódia mantido pela Polícia Civil em Natal, unidade
localizada no bairro de Cidade da Esperança. A cadeia, cenário de
constantes rebeliões e fugas, havia sido interdita em agosto do ano
passado, mas seguiu recebendo presos. Na manhã da segunda-feira (18),
após o Ministério Público solicitar o afastamento parcial do delegado
geral, a ordem de remoção dos presos foi acatada e mais de 60 homens
foram transferidos para o Centro de Detenção Provisória de Candelária.
No último dia 14, para evitar uma "carnificina", o juiz Luiz Cândido
de Andrade Villaça, da Vara Criminal e de Execuções Penais da Comarca de
Caicó, determinou a interdição da Penitenciária Estadual do Seridó,
mais conhecida como 'Pereirão'. O magistrado instaurou procedimento
administrativo para a apuração das condições em que se encontra a
unidade prisional, com base em um relatório de vistoria técnica
elaborado pelo Corpo de Bombeiros.
"Diante do que foi presenciado por este magistrado no local e o que
consta nos presentes autos, realmente não existe como evitar a
interdição imediata e definitiva da penitenciária estadual do Seridó,
posto que é imperiosa a medida até que sejam efetivamente sanadas as
irregularidades lá existentes”, afirmou o magistrado em sua decisão.
Na decisão, o juiz relata que o laudo técnico do Corpo de Bombeiros é
conclusivo. "O presídio é uma bomba relógio. Apesar de não ter condições
de prever o futuro, é necessário que as autoridades que representam o
estado – dentre as quais se insere este magistrado – tomem uma atitude
que previna mortes e carnificina", disse.
Reunião com a governadora
A possibilidade de os juízes mandarem soltar presos por falta de vagas
no sistema prisional do estado estará em pauta na tarde desta
quinta-feira (21), no Centro Administrativo, em Natal, em reunião
proposta pelo Tribunal de Justiça com participação do Ministério Público
Estadual e a governadora Rosalba Ciarlini. Foram convidados os
secretários estaduais de Justiça e da Cidadania (Sejuc) e da Segurança
Pública e da Defesa Social (Sesed).
Além disto, o TJ quer saber o que o Governo pretende fazer diante das
constantes interdições de unidades carcerárias pertencentes ao sistema
penitenciário. A possibilidade de alugueis de imóveis para implantação
de um Centro de Triagem e mais a contratação temporária de servidores
são sugestões do MP.
Segundo o promotor criminal Wendell Beetoven, que participará da
reunião desta quinta, o Estado precisa tomar atitudes urgentes. “O que
se percebe, há muitos anos, é a omissão do Poder Público estadual, que
não disponibiliza cadeias com o número de vagas compatível com a
demanda, especialmente na região metropolitana de Natal, onde a
criminalidade tem crescido constantemente”, salientou.
“Obviamente que ninguém do sistema de Justiça Criminal, sejam juízes,
promotores ou policiais, deseja a soltura de criminosos perigosos -
muito pelo contrário. Porém, se não houver opção, se o Estado não
disponibilizar cárceres, não tem outra jeito. De duas, uma: ou o réu
fica preso em estabelecimento prisional, ou é solto", reforçou o
promotor.
Fonte: G1/RN
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